Não avisar que conteúdo é publicidade vai contra lei federal, alerta advogado
Influenciadores digitais devem identificar o conteúdo publicitário. Os bons creators já fazem isso simplesmente por uma questão de lealdade ao seu público. Eles sabem que seus seguidores não querem propaganda disfarçada de conteúdo.
O que você talvez não saiba é que deixar de identificar o conteúdo como publicitário é mais do que uma falha ética: pode gerar problemas com o CONAR (Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária) e consequências legais por ferir o Código de Defesa do Consumidor.
Outra coisa que você talvez não saiba que usar a hashtag #ad, importada dos influencers americanos, talvez não sirva para o Brasil. Por via das dúvidas, é melhor usar #publicidade.
Na edição #188 do Podcast-se — podcast do grupo Comunique-se, ao qual pertence o Influency.me —, entrevistamos o advogado Jean Caristina, especializado em Direito e Mídia, autor do site Intervalo Legal e do podcast Consumo e Mercado. Ele explica todos esses pontos da publicidade no marketing de influência.
Você pode ouvir abaixo a entrevista ou ler o resumo da conversa mais abaixo.
Cassio Politi: Está acontecendo no Brasil algo que já vem sendo discutido muito em outros países, especialmente nos Estados Unidos, que é a identificação da publicidade nas mensagens dos influenciadores digitais. No exterior, existem órgãos reguladores que obrigam o influenciador a colocar identificações como a hashtag #ad para indicar se tratar de publicidade. Aqui, no Brasil, isso ainda é apenas uma boa prática ou é uma questão legal?
Jean Caristina: O Código de Ética do CONAR determina que a publicidade tem de ter a identificação publicitária. Mas quando um influenciador deixa de identificar uma publicidade como tal, o caso já extravasa a questão do CONAR. Aí a gente já está falando de Código de Defesa do Consumidor, uma lei federal que se aplica do Oiapoque ao Chuí.
Essa lei federal determina que qualquer publicidade neste país tem de ter a devida identificação. Eu vou tentar fugir do juridiquês para explicar. A lei trata de uma espécie de fair play. Quem faz publicidade precisa dizer para o seguidor que aquilo é uma publicidade. Por quê? Porque faz parte da “boa-fé objetiva” que a pessoa consiga identificar aquilo com uma publicidade.
Então, se eu tirar uma foto usando um relógio de marca dizendo que “com esse relógio eu nunca perco o horário”, eu preciso identificar aquilo como publicidade. Porque quem me segue precisa saber que aquele conteúdo é publicitário. Isso é a base elementar do direito do consumidor e da ética publicitária.
Sob pena de cair naquele chamado engano. “Puxa, eu comprei um produto que achei que fosse bom, e não é bom coisa nenhuma”. Precisa ficar claro que o influenciador fez aquela comunicação por motivos financeiros e econômicos. Ou seja, que o influenciador está sendo pago para divulgar um produto. A não-identificação publicitária cai na má-fé, e a má-fé gera o engano.
Cassio Politi: Quem é o agente que toma a iniciativa de mover um processo e levar o caso à Justiça? É o Ministério Público ou é o consumidor que se sentiu enganado?
Jean Caristina: Você, como consumidor, pode fazer uma representação perante o CONAR e pedir a ele que intervenha naquela postagem que está sem a marcação de conteúdo publicitário. Você pode também fazer uma representação no Procon, que é o órgão de defesa do consumidor. Ou pode, ainda, apresentar diretamente ao Ministério Público. Este é o caso mais grave dos três. Normalmente, é aquele seguidor que, influenciado por um produto não marcado como publicitário, adquiriu um produto e, por alguma razão, teve um efeito ruim na sua saúde, por exemplo.
Cassio Politi: Quando você diz que está sem a marcação, seria uma marcação tipo #ad?
Jean Caristina: Foi bom você mencionar isso para eu fazer um comentário. De fato, nos Estados Unidos é bastante comum o uso da hashtag #ad como abreviatura de “advertising”, identificando o post como conteúdo publicitário.
No Brasil, porém, eu defendo que o uso de #ad é ilegal — e não é uma visão individual minha. Existem alguns projetos para tentar mudar isso no País. Eu explico o porquê. O Código de Defesa do Consumidor exige que todo produto seja expresso em reais e em língua portuguesa. Então, a promoção de uma bebida, por exemplo, vai ter de estar em português, com o valor expresso em reais.
Quando o influenciador utiliza #ad, quem fala inglês entende que se trata de publicidade. Mas quem não fala inglês não entende o significado daquilo. Por que não padronizar #publicidade? Alguns influenciadores estão usando #publi. Ok, já é melhor do que #ad.
Então, há duas ilegalidades absurdas aí. A primeira é não usar nada. A segunda é usar a expressão em inglês.
Aí, você pode dizer “pô, Jean, você está sendo muito chato”. Mas não é uma questão de ser chato. É uma questão de saber que, por trás de um celular ou de uma televisão, nem sempre tem uma pessoa instruída e capaz de identificar aquilo como conteúdo publicitário. E essas pessoas estão partindo para o induzimento do consumo desnecessário de algo, que é uma prática que também é considerada de má-fé.
Cassio Politi: Quando uma TV ou uma revista comete uma infração, é muito fácil você saber quem sofre a punição porque há uma pessoa jurídica tanto anunciando quanto veiculando o anúncio infrator. E no caso de um influenciador, que muitas vezes é uma pessoa física que não tem CNPJ? Nesses casos, quem é punido?
Jean Caristina: Ambos são punidos: o anunciante e o influenciador. Mas é aquela punição branda, de tirar do ar. Num Podcast-se anterior [de número #112], eu critiquei o Papel do CONAR e a sua capacidade de fazer frente a esses desafios tecnológicos que nós estamos enfrentando.
Uma coisa é você colocar uma imagem estática na sua página do Facebook ou do Instagram. Ela vai ficar lá um dia, dez dias, um ano. Dá tempo de o CONAR processar uma reclamação e eventualmente determinar a suspensão ou retirada da publicidade.
Mas e no caso dos stories, que duram 24 horas? Como fazer com que, na prática, o influenciador tire a publicidade do ar? Não dá tempo nem sequer de o CONAR processar a reclamação. Então, o que muitos influenciadores estão fazendo — de forma irregular — é publicar nos stories porque, assim, eles fogem da capacidade fiscalizatória dos entes responsáveis.
Alguns fazem até induzimento a consumo de álcool, produto dermatológico não testado, produto de higiene pessoal de origem desconhecida e outras coisas. O cara publica e sabe que está isento de responsabilidade pela simples incapacidade de se fiscalizar. O Procon, este sim, pode estabelecer inclusive o pagamento de multa — e multa alta. Foi o caso da Betina, da Empiricus, que abordamos aqui também [no episódio #108 do Podcast-se].