Entenda a nova Diretiva de Direito Autoral da União Europeia — e por que você deveria prestar atenção a ela
Responda rápido: é possível usar qualquer música em um podcast ou na trilha sonora de um vídeo para o YouTube? Quem conhece a legislação e reconhece a importância dos direitos autorais responde “não” com facilidade. A internet, no entanto, não dá conta: plataformas apoiadas no conteúdo gerado pelo usuário disponibilizam grande quantidade de músicas e imagens sem autorização de seus autores. Apesar do debate ser mais antigo que a própria internet, uma decisão da União Europeia vai ampliar essa discussão.
No dia 27 de março, o Parlamento Europeu aprovou uma nova Diretiva de Direito Autoral (veja na íntegra, em PDF). A regra mais dura para o uso de obras protegidas, o Artigo 17, inverte a responsabilidade de proteção aos autores, apontando para as plataformas. Hoje, quem se sente lesado pode notificar plataformas para remover conteúdo protegido: uma potencial punição viria apenas caso não cumpram essa notificação. Na prática, YouTube, Facebook e outras redes podem alegar que não tinham conhecimento do problema.
Com a nova diretiva, as plataformas precisam impedir que conteúdos protegidos sejam postados. Para evitar sanções, precisam definir contratualmente o licenciamento de uso com os detentores dos direitos. Se não houver acordo, elas podem ser responsabilizadas. A adoção não é automática. Os países do bloco têm dois anos de prazo para discutir e aprovar leis de caráter nacional.
É o fim da internet?
Durante os dois anos de debate e elaboração da Diretiva de Direitos Autorais, o Artigo 17 enfrentou críticas de organizações que defendem a liberdade da internet ou mesmo do criador da web, Tim Berners-Lee. As mais pesadas, como a do youtuber Felipe Neto, alegam que vídeos e canais podem ser barrados ou removidos do YouTube sem critério, caso a plataforma não consiga licenciar previamente todos os conteúdos protegidos por direitos autorais. É o que vem sendo chamado de “filtro de upload”.
Na prática, esse tipo de controle já existe. O YouTube investiu mais de US$ 100 milhões no desenvolvimento do Content ID, sistema que analisa uploads na plataforma com uma base de dados de obras protegidas. Automaticamente, a ferramenta bloqueia o vídeo ou oferece opções de exibição de anúncios ao usuário.
O problema, segundo especialistas, é que não há algoritmo perfeito. Além de o próprio Content ID gerar falsos positivos, já é difícil distinguir, mesmo entre humanos, violações claras de usos legítimos, como paródias, memes, “fair use” (uso justo), citação para apoiar uma informação etc. Apesar de a redação do texto permitir interpretações, a União Europeia negou essa possibilidade e garante a liberdade de expressão.
Reforço aos gigantes
Por trás do empenho em aprovar a Diretiva de Direito Autoral, estão empresas de mídia e grandes produtores de conteúdo, que perdem dinheiro diante de gigantes da internet, como Google e Facebook, que se beneficiam financeiramente. No entanto, na visão de especialistas, da forma como está, o Artigo 17 só aumenta o poder dessas plataformas. Isso acontece porque a única forma de impedir a publicação de conteúdos não licenciados e evitar sanções é por meio de filtros similares ao Content ID do YouTube.
“É aí que acontece o reforço à dominação: filtros do tipo são caros”, ressalta o especialista em tecnologia Rodrigo Ghedin, em seu site. Em sua visão, a necessidade de sistemas complexos vai criar um abismo entre empresas consolidadas e novatas. “A exigência de um filtro do tipo não é um problema intransponível ao Google. Para uma startup que ouse disputar mercado com o Google, ela pode ser fatal”.
Além de desestimular novas plataformas ao criar obrigações difíceis de ser cumpridas, a coordenadora do Creative Commons Brasil e diretora do InternetLab, Mariana Valente, adverte que a diretiva também representa uma visão desproporcional entre os interesses das indústrias de mídia e os criadores individuais. “Não se trata somente de uma disputa entre grandes empresas: é uma aventura arriscada para o conhecimento, a diversidade online e a expressão, e deveríamos estar atentos também no Brasil”, conclui.
Takeaway
Mesmo que pareça uma discussão distante do Brasil, mudanças na legislação que afetam a internet repercutem por aqui. Tanto pelo fato da necessidade de ajuste global das plataformas quanto por debates no Congresso. O Marco Civil da internet e a Lei Geral de Proteção de Dados foram influenciados pelas discussões internacionais.
Destaque para as leis de combate à pirataria (SOPA e PIPA), que foram arquivados nos Estados Unidos após protestos, e a recente lei europeia a favor da privacidade (GDPR). Ao contrário do que afirmam alguns youtubers, a internet não vai acabar. Por outro lado, acompanhar e compreender o debate é o primeiro passo para defender o direito à informação e uma web aberta.